sexta-feira, 18 de março de 2011

Na parte de trás do quintal estava um grande alpendre. Entrei pela porta das traseiras que dava até à cozinha. O fogão a lenha ainda fumegante, as frias bancadas de mármore, salpicadas com pequenos flocos de farinha, o chão húmido e pouco acolhedor, os panos sujos debruçados no espaldar das cadeiras e o conforto dos meus tempos de infância.
O barulho demasiado silencioso levava-me a acreditar que aquela casa estava cansada de albergar seres como eu.
Avancei por um arco de estilo barroco, esculpido durante horas por grandiosos artistas e deformado em pouco tempo por inúmeras traças que habitavam aquela majestosa casa. Deparei com uma vasta sala de estar.
O cheiro entre as divisões mudara completamente. Em vez do aroma de pão a cozer, agora enchia o ar a fragrância de charutos caros, assim como o perfume importado de Paris! À frente do arco encontrava-se uma lareira poeirenta, que deixava escapar uma sensação de calor, e por cima dela, um enorme retrato de família pintado à mão, pouco nítido, mas no qual conseguia identificar cinco pessoas: o pai com ar austero, a mãe com feições delicadas e três jovens filhas no auge das suas vidas com vestidos perfeitamente engomados.
Do lado direito da lareira estava um janelão com cortinados de veludo vermelho, que dava para a parte da frente da moradia. Do esquerdo uma enorme estante com livros antigos e sujos, mas em bom estado. Na parede em frente desta mini-biblioteca particular encontravam-se duas poltronas separadas por uma pequena cómoda com um tapete feito à mão, a seus pés.
As poltronas fascinaram-me particularmente. Estavam intactas e a textura dos seus tecidos relembrava-me os tempos de outrora em que os serões eram passados à volta da lareira a ler ou a conversar.
De repente, a enorme porta com vitrais pormenorizadamente desenhados com temas campestres, emoldurados com uma rija e trabalhada madeira abriu-se. Saltei de imediato da máquina do tempo em que a poltrona se tornara e abandonei aquele espaço tão familiar a correr. Atravessei de novo o arco e a porta das traseiras com a velocidade que as minhas quatro patas me concediam e fugi para lá dos arbustos que rodeavam o quintal como um pequeno animal a mergulhar numa enorme e densa selva.
Carina Calete, 11.º B

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