sexta-feira, 18 de março de 2011

Variações sobre o gato Bonifácio, "personagem" de Os Maias

Sentia o pó nas minhas patas. O vento pintava os mosaicos do pátio com folhas de cores quentes e caducas. A triste melancolia daquela quinta assobiava silêncios através das janelas velhas e destroçadas.
Ver aquele cenário fazia com que não quisesse viver mais nove vidas.
Fui entrando através daquelas portas nas salas que, agora, me pareciam vazias, despidas, gigantescas. Os cortinados de veludo vermelho dançavam as valsas das almas já desaparecidas. As cadeiras de madeira maciça, onde costumava amolar as minhas unhas, enchiam-se, agora, de um manto branco feito artesanalmente de pó velho e teias de aranha. Das carpetes chegavam odores de outros gatos que vieram, certamente, à procura de ratos também eles sumidos. Os vultos chamavam por mim sentados nos degraus da escada. Não conseguia perceber de quem eram. A minha vista já estava cansada. Prossegui através daquela passadeira vermelha com riscas douradas de tecido inglês, eu acho. Já não me lembro bem. Recordo-me de ter sido elogiada como a mais cara, bela e original da mercadoria trazida de terras londrinas. As minhas patas redondas, idosas e calejadas ficavam desenhadas no fundo encarnado e empoeirado da carpete.
Sentei-me na varanda principal. Como eu gostava daquela varanda! Era antiga, romântica, bela, segura. Era nela que passava as noites de Janeiro e Fevereiro enquanto observava as madamesde cauda escovada e arrebitada que desfilavam estupendamente pelos muros velhos e floridos daquelas quintarolas e quintais, fazendo as delícias dos olhos de outros D. Bonifácios de Calatrava como eu.
Vista de cima aquela vivenda era ainda mais sonâmbula. As árvores adormecidas apoiavam os seus pescoços velhos e secos nas telhas despedaçadas da casa, destapando seus pés calçados sob as lajes feridas e golpeadas do pátio. As roseiras abriam os braços aos céus zangados e cinzentos, trepando pelas paredes descascadas de cor.
Voltei-me para dentro. Entrei no salão. Parecia uma sala fantasma, acabada de sair de um romance trágico como aqueles que o dono me lia e queria que eu escutasse, mesmo que fosse com um olho aberto e outro conquistado por um sono aterrador. Junto à chaminé lá estava a minha alcofa. O tecido roxo vivo estava tão velho quanto eu. Também lhe tinham crescido alguns cabelos brancos. Que confortável era aquela alcofa! Quando me ofereceram aquele tecido de bom descanso, nele descobri gravado o meu nome, Bonifácio. Acho que o dono sempre entendeu o ar nada satisfeito que eu fazia quando me chamavam pelo nome. Por isso tentou emendar o seu erro ao longo dos anos.
A luz entrava agora pelas cortinas esfarrapadas, anunciando a sua demorada extinção. Deitei-me, por fim, na minha alcofa. Pressenti algo à minha volta. Vozes. Movimentos. Energias. Não me apeteceu abrir os olhos. Tudo estava novo. A sala nova, nobre, limpa e bela que conhecera voltara. Levantei-me da alcofa. Dirigi-me, como sempre, à cozinha, mas desta vez de uma forma diferente. Estava a flutuar! Eu estava a flutuar! Tudo à minha volta estava ressuscitado. Eu estava um D. Bonifácio de Calatrava de novo. As madames chamavam-me lá fora. Os pássaros já não gozavam comigo e, ao fundo da sala, dois olhos acompanhados de uma barba sorridente admiravam-me ao longe.
João Monteiro, 11.º B
Acordei já de noite e estou pronto para a acção.
D. Bonifácio de Calatrava, pronto para brilhar entre as gatas.
Sigo o meu caminho até à clareira habitual no meio do bosque, abanando a minha cauda delicadamente e miando alto com um toque de sedução.
Chego ao meu destino e faço furor. Todas as "damas" me miam e dizem que me desejam com o olhar.
Sou o melhor de todos gatos, o mais sensual e o mais charmoso. Nenhuma gata resiste à herança persa do meu pai e à herança siamesa da minha mãe.
Vou ao balcão, bebo a minha taça de leite e pago uma rodada às meninas à minha volta, sempre cavalheiro.
Até que avisto, ao longe, a gata mais bonita que já vi em toda a minha vida. Ela brilha, andando delicadamente. Um doce charme prende-me o olhar nela o resto da noite e isto só significa uma coisa: "El-Sedutor" está apaixonado!
Miguel Ropio, 11.º E
Por vezes a aragem do dia traz até mim um cheiro sobejamente conhecido que me faz abrir os meus grandes olhos e observar de onde vem tal gostoso paladar. A certa altura enquanto descansava a minha grande pança de Reverendo, vejo um rastejante passar mesmo à minha frente com aquelas perninhas bem gordinhas, à espera de um dentinho que as ferre. Enfim, uma bela barra de proteínas, mas que fazer? Este subsídio que carrego debaixo do peito já me pesa um pouco e não estou para me cansar a tentar apanhá-lo. Por isso adormeço mais um pouco. Por fim, a espertina atinge-me à noite, sempre iluminada pela lâmpada da terra. Assim sendo, decido ir dar uma volta pela freguesia do bairro.
A Dona Maria, enquanto cozinhava, lança-me um pedaço de entrecosto que me cai nas goelas. Depois, quando ia a caminho da casa do Sr. Manuel à procura dos belos bifes que ele tão bem prepara, vejo uma gata. Que bela gata...
Iluminada pelo ar, lança-me um olhar como que me enfeitiçando. Meto a pata ao peito e o meu coração dá palitadas nas costelas. Nunca senti nada assim... Bem, há uns anos, sim, quando era D. Bonifácio de Calatrava nenhuma gata resistia àquelas minhas patas atléticas. Mas agora... Agora os tempos mudaram e elas não gostam que um gato tenha no seu peito um pouco de formosura a mais.
Bem, mas hoje vou tentar a minha sorte!
Daniel Nunes, 11.º E
E assim foi a minha infância, quando era apenas apelidado de Bonifácio.
Depois veio a melhor fase da minha vida, quando me mudei para Lisboa com o meu dono. A maior metrópole do país ao meu dispor, onde a cada esquina havia gatas cada vez mais belas, cada uma com uma diferente cor de pêlo, mas todas com pêlo muito mais suave e bigodes muito mais sensuais e maiores que os meus.
Mas nesta cidade para ir ter com as minhas gatinhas tinha de atravessar rios de pedra por onde passavam caixotes com rodas, puxados por cavalos. Parecendo que não, até para um gato era perigoso atravessar. Outra desvantagem desta metrópole em relação à maravilhosa Quinta de Santa Olávia era o cheiro nauseabundo a urina nos becos perto dos botequins.
Pode dizer-se que o nome D. Bonifácio de Calatrava, que soa muito bem ao ouvido felino, me ajudou muito nas empresas amorosas, e enquanto conversava com as minhas conquistas sobre os mais variados assuntos, desde o Romantismo até à Geração de 70, passava um rato a 50 metros de nós, e, com o meu ouvido apurado, ouvia os passinhos daqueles pés pequeninos e aquele barulho irritante que fazem com a boca, saltava para cima dele e oferecia à minha dama um belo jantar.
Agora, de volta à Quinta de Santa Olávia, vai ser difícil continuar com essa vida, mas vou tentar não envelhecer e conhecer mais umas gatas campestres.
André Rosado, 11.º A
Na parte de trás do quintal estava um grande alpendre. Entrei pela porta das traseiras que dava até à cozinha. O fogão a lenha ainda fumegante, as frias bancadas de mármore, salpicadas com pequenos flocos de farinha, o chão húmido e pouco acolhedor, os panos sujos debruçados no espaldar das cadeiras e o conforto dos meus tempos de infância.
O barulho demasiado silencioso levava-me a acreditar que aquela casa estava cansada de albergar seres como eu.
Avancei por um arco de estilo barroco, esculpido durante horas por grandiosos artistas e deformado em pouco tempo por inúmeras traças que habitavam aquela majestosa casa. Deparei com uma vasta sala de estar.
O cheiro entre as divisões mudara completamente. Em vez do aroma de pão a cozer, agora enchia o ar a fragrância de charutos caros, assim como o perfume importado de Paris! À frente do arco encontrava-se uma lareira poeirenta, que deixava escapar uma sensação de calor, e por cima dela, um enorme retrato de família pintado à mão, pouco nítido, mas no qual conseguia identificar cinco pessoas: o pai com ar austero, a mãe com feições delicadas e três jovens filhas no auge das suas vidas com vestidos perfeitamente engomados.
Do lado direito da lareira estava um janelão com cortinados de veludo vermelho, que dava para a parte da frente da moradia. Do esquerdo uma enorme estante com livros antigos e sujos, mas em bom estado. Na parede em frente desta mini-biblioteca particular encontravam-se duas poltronas separadas por uma pequena cómoda com um tapete feito à mão, a seus pés.
As poltronas fascinaram-me particularmente. Estavam intactas e a textura dos seus tecidos relembrava-me os tempos de outrora em que os serões eram passados à volta da lareira a ler ou a conversar.
De repente, a enorme porta com vitrais pormenorizadamente desenhados com temas campestres, emoldurados com uma rija e trabalhada madeira abriu-se. Saltei de imediato da máquina do tempo em que a poltrona se tornara e abandonei aquele espaço tão familiar a correr. Atravessei de novo o arco e a porta das traseiras com a velocidade que as minhas quatro patas me concediam e fugi para lá dos arbustos que rodeavam o quintal como um pequeno animal a mergulhar numa enorme e densa selva.
Carina Calete, 11.º B
Tudo estava envolvido num infinito silêncio, nem o ventinho tinha coragem de fazer barulho, passando entre as flores e os ramos das árvores. Era de acreditar que naquele profundo silêncio se conseguia ouvir o barulho do bater das asas das borboletas que voavam de uma flor para outra, em todo o campo. Quando era jovem dava-me muito trabalho correr atrás delas e tentar apanhá-las, mas agora prefiro ficar a repousar na minha cama: uma almofada laranja das mais confortáveis. Dormir aqui é a minha actividade favorita. A quinta está deserta, quase abandonada. O sol que chega dá-me a sensação de quentinho e o cheiro das flores ajuda o sono, tanto como o cheiro do leite e das comidinhas que a D. Maria prepara para mim. Não há nada melhor do que o delicado sabor daqueles pratos para acordar bem! E quando acordo o dia já está a acabar, o sol está baixo e pinta o céu de uma gradação de cores que vão do roxo ao rosa, do vermelho ao laranja. E a paisagem parece pintada, as linhas do horizonte estão tão definidas que podia ter sido o meu dono a traçá-las. A atmosfera está tão bonita e tão quieta que só me apetece voltar a dormir.
Zaira Pellin, 11.º A
Tanta leitura entediava-me, afinal a vida não é assim tão perfeita e calma. Quero conhecer o real, a vida apaixonante que está para além dos portões desta quinta.
De repente uma rajada de vento gélido arrepiou-me e fez levantar todo o meu pêlo branco e ao longe ouvia-se um ranger de ferro velho e enferrujado. Ao seguir o som reparei que um dos portões se abria. Corri com toda a minha garra enquanto um pensamento de liberdade, curiosidade e medo me avassalava. Quando ouvi o estrondo do portão a fechar já me encontrava cá fora, em liberdade.
Percorri durante dias ruas desertas, onde só se avistavam mais flores e ervas e alguns coelhos. Desiludido, sentei-me a pensar que talvez nunca conseguisse conhecer a bela Lisboa cheia de vida e graça de que tanto ouvira falar aos meus donos. Continuei o meu caminho, cansado, com as patas em ferida de tanto correr, de boca seca e estômago colado, até que comecei a ouvir grandes barulhos, barulhos de buzinas, e via luzes intensas, apesar da noite, e sempre o barulho, muito barulho de pessoas conversando e gritando.
Tinha chegado à grande cidade cosmopolita, Lisboa. Estava adorar tudo o que via, os teatros, os cinemas, as lojas, a correria de toda uma vida cheia e agitada.
Uma noite, enquanto seguia um rato que havia encontrado, perdi-me num sítio escuro. Reparei em pessoas estendidas pelo chão e pelos bancos do jardim, sujas, de roupas rasgadas, cabelo despenteado, tapadas por cartões e papéis de jornais. Pensei para mim que ninguém havia de saber o que ali se passava, pois ninguém deixaria ali pessoas daquela idade sozinhas e abandonadas numa noite tão fria e melancólica. Então reparei no mar de pessoas que ali passavam e desviavam o olhar. Aquelas pessoas, de relógio da Timberland, de fato e gravata, com os seus BMW's e Audis que riam e brincavam, mas não eram capazes sequer de olhar. Como podia esperar que se preocupassem?
Joana Pereira, 11.º A

Santa Olávia era para mim o lugar ideal. Permanecia deitado durante o dia na relva verde e fresca à sombra das árvores de frutos que aqui eram abundantes. Não tinha falta de alimento, os pássaros eram abundantes e eu notava-o devido aos seus constantes chilreares, e, de vez em quando, para meu deleite também apanhava uns ratos.
O ar aqui era puro e fresco e o único cheiro existente era o das flores nos canteiros à entrada da casa.
Durante o dia a vida era pacata e eu aproveitava para descansar, mas a noite em Santa Olávia acabava por ser mais animada com a minha procura de gatas que aqui havia em escasso número.
Eu gostava tanto do quintal de Santa Olávia que raramente entrava em casa, apesar dos luxos que lá tinha.
Apenas entrava em casa quando não conseguia caçar e tinha de comer a comida que me davam, que apesar de não ser propriamente saborosa, era melhor do que passar fome, ou então quando queria dormir. E aí sabia que tinha uma cesta de veludo na sala ao pé da lareira, onde eu podia descansar num conforto extremo enquanto era suavemente aquecido pela lareira.
Enfim, a vida em Santa Olávia era simplesmente perfeita.
Pedro Madeira, 11.º A

Estava deitado sobre a relva fresca, mas não conseguia dormir. A abundância de cheiros no ar deixava-me agitado. Resolvi levantar-me e caminhar. Para além de estar um sol quentinho, a relva ainda estava molhada, o que deixava o meu pêlo húmido e fresco. Sabia bem o sol quentinho sobre o meu pêlo comprido.
Sentia o cheiro a papoilas no ar, o cheiro a sol, a água e a vento. Observei o meu reflexo numa pequena poça de água. "Ai, ai, como és lindo, Bonifácio!" Molhei a pata com a minha língua e arranhei o pêlo da minha cabeça. As minhas manchas amarelas estavam mais amarelas que nunca, já para não falar no branco do meu pêlo que estava bastante luzidio.
O vento trouxe-me o cheiro doce e maravilhoso de uma tarte, ainda quentinha, de amora. Inspirei fundo e segui o cheiro. "Como cheira bem!", pensei.
Já era capaz de me imaginar a lambuzar-me naquela deliciosa tarte de amora. Até já tinha aboca cheia de água.
A tarte estava no parapeito da janela a arrefecer. Vá-se lá saber porque é que as pessoas têm o hábito de fazer isso. A casa era alta, pintada de branco sujo. Vinha de lá um cheiro a velho e usado, provavelmente a livros. Deu-me a sensação de estar junto de Afonso.
Ouvi um miar bonito e sensual. Olhei. Os meus olhos ficaram arregalados. À minha frente estava uma gatinha cinzenta, com pêlo comprido. Os olhos dela eram de um azul mais bonito que o das orquídeas. Era alta e esbelta.
"Tarte ou gata? Sem dúvida as duas!"
Saltámos para o parapeito da janela e ambos nos lambuzámos na tarte de amora deliciosa.
Marta Zurrapa, 11.º A
Depois da minha sesta, naquela tarde calma e quente de Primavera, ao acordar sobre aquela cómoda almofada colorida de algodão que se encontrava à sombra da fonte principal da quinta sentia-me bem, satisfeito, mas um pouco preguiçoso. Foi então que senti um aroma diferente no ar, era algo que nunca tinha sentido antes, nem aqui na quinta onde os aromas são agradáveis e sempre surpreendentes. De repente, apoderou-se de mim uma vontade enorme de seguir aquele cheiro. Levantei-me, espreguiçei-me e, pondo cada pata na relva, devagar, sem fazer barulho, debruçei-me sobre o muro das escadas principais da entrada da quinta e os meus olhos maravilharam-se.
Foi a primeira vez que eu, D. Bonifácio de Calatrava, me deparei com uma gata formosa, elegante, com ar sereno como uma praia ao fim da tarde e com um aroma que se assemelhava ao cheiro das flores na Primavera. Aproximei-me para a poder observar melhor. O seu pêlo, branco como a neve, contrastava com os seus olhos negros. Os seus olhos assemelhavam-se a duas grandes pérolas negras que me deixaram encantado. O seu olhar penetrante deixou-me entusiasmado. Por instantes ela parecia uma estrela de cinema, com uma pose extremamente delicada, elegantemente arranjada e com o pêlo brilhante como se tivesse um holofote direccionado para ela. O seu miar soou como uma melodia aos meus ouvidos. A sua voz fina e harmoniosa confirmava a beleza exterior que fazia transparecer.
Aproximei-me ainda mais, com todos os meus sentidos cada vez mais apurados, e toquei-lhe. O seu pêlo era macio como os lençóis de seda da minha almofada.
Convidei-a a entrar e juntos comemos um belo lanche de sabor extraordinário. Talvez esse sabor se devesse ao facto de estar na melhor das companhias.
Ana Nascimento, 11.º A
Eram aí seis da tarde. A brisa aromatizada que chegava desafiava a uma corridinha atrás das gatas pelo meio dos campos floridos, mas há muito que D. Bonifácio de Calatrava deixara de ser o que era. Ao menos se não fosse esta artrite ou se a minha silhueta não se assemelhasse a uma pipa de vinho...
Só me resta espreguiçar-me o dia inteiro à sombra e imaginar-me a correr pelos campos aos ziguezagues, por entre as novas formas de vida que a Primavera traz, enquanto oiço o canto dos pássaros que de mim fazem troça o dia todo. Oxalá pudesse correr atrás deles.
Só me resta esperar pelas horas da refeição (os pontos altos dos meus dias) e ter cuidado para não rebolar ladeira abaixo.
Bob, 11.º A

Maria Eduarda

Abri o portão e deparei-me com a minha esbelta Deusa, Maria Eduarda, de chegada.
O sol irradiava um forte clarão de luz nos seus loiros, sedosos e ondulados cabelos, deixando em seu torno uma aura angélica.
Deixava no ar um aroma a rosas com pétalas de sangue que me encantava profundamente.
Como sempre trazia um vestido escuro, não de tecido caro, fino e requintado, mas sim comum e com um decote bastante simples. Era sedoso e, ao cair-lhe nas longas, esbeltas e perfeitas pernas tinha um efeito ondulante como as ondas do mar quando estão calmas.
A sua cadelinha, Mimi, dormia nos seus intermináveis braços de mármore recebendo suaves carícias na cabeça.
Os seus botins eram de um cabedal cinza brilhante como as nuvens em tempo de tempestade. Tal pensamento despertou bastante a minha atenção, fazendo mover automaticamente o meu olhar de novo para a sua face. Esta estava rígida, melancólica, triste e com uma expressão de desagrado. Rapidamente percebi que tal desagrado e tal descontentamento se deviam ao ambiente em seu redor.
Aproximei-me dela, dei-lhe a mão e senti um gelo polar a correr-me por todo o corpo. Tirá-la dali para um local acolhedor e quente era o meu desejo.
Daniela Santos e Rute Azenha, 11.º B

Decrepitude

Constava que esta vivenda pertencia ao senhor Carlos da Maia, homem que Dâmaso achava "chique a valer". O ranger dos portões, quando o vento soprava, lembrava-lhe uma das mais belas sinfonias de Paris. Os longos e sinuosos caminhos do jardim igualavam-se às curvas das belas francesas que adorava.
Uma casa tão bela só poderia pertencer a Carlos da Maia, pensou. Aquele homem único, formado em Medicina e não em Advocacia como todos os outros, inteligente, um príncipe da Renascença. Os seus olhos eram uns apetecíveis grãos de café mergulhados em leite. Em tudo Dâmaso o admirava.
Enquanto olhava para aquela sinistra e decadente , mas diferente, mansão Dâmaso pensou nos corações que Carlos deixara partidos, tal como as telhas daquela moradia, envoltas num verde húmido e esmeralda. Os fortes e robustos muros da casa eram as fortalezas intrespassáveis daquele magnífico castelo.
Tanta decrepitude revelava imensa originalidade e espírito inovador, que, ao mesmo tempo, lhe lembrava os castelos antigos que ele venerava.
Ana Saltão e Sara Costa, 11.º B

O "laboratório" de Carlos da Maia

Foi nessa noite de luar em que se ouviam os lobos a uivar do cimo da grande montanha que segui o meu neto, o meu inteligente neto, Carlos, que ia na sua bicicleta, muito apressado, como se estivesse assustado. Levava uma cesta que parecia ser pesada. Desconfiado, decidi segui-lo. Aquele corajoso rapaz deveria estar a tramar alguma.
Fui a pé para que não me ouvisse. Ao chegar, encostou a bicicleta com muito cuidado ao muro verde de musgo, para que não fizesse barulho. Pé ante pé, rodou muito devagar a maçaneta da porta ferrujenta da chuva, e ao empurrá-la ouviu-se um chiar muito forte que, de súbito, assustou os morcegos adormecidos nas telhas quebradas daquela casa que parecia estar abandonada e assombrada.
Escondi-me atrás de um grande arbusto, para que não me visse, sem fazer muito barulho. Ouvia-se apenas o estalar de algumas folhas, mas Carlos já tinha entrado. No meio da escuridão daquela casa assustadora, o meu neto acendeu uma vela que lá havia para iluminar o que quer que fosse que ia fazer. Esperei horas a fio, era quase meia-noite e eu continuava ali à espera para matar aquela curiosidade que pairava na minha cabeça. Passadas muitas horas finalmente saiu, já sem a cesta. Esperei que pegasse na bicicleta e assim que se foi embora tive a oportunidade de entrar. Enchi-me de coragem e empurrei muito devagar aquela porta que chiava ensurdecedoramente. Muito sorrateiro, entrei naquela habitação inabitável, com um odor insuportável a sangue (parecia-me a mim). Ouvi qualquer coisa a mexer. Rápido, levei a mão ao bolso para retirar o meu isqueiro prateado e procurei a vela que o Carlos tinha acendido. Muito apressadamente, consegui iluminar aquela sala enorme e perceber que o barulho que ouvira era de uma ratazanas que ali andavam à procura de algo para comer. Foi então que olhei para cima e vi filas de animais pendurados, com a barriga aberta, daí todo aquele cheiro a sangue. Aquele meu neto era realmente um amante da ciência.
Observei tudo o que havia naquela casa: carneiros, bezerros, cães, gatos, galinhas, ratos, rãs, lagartos,... Tudo ali havia. Foi então que ouvi:
- O que está aqui a fazer? Bem que ouvi barulhos enquanto vinha para cá, Sr. meu avô! - Era Carlos, tinha-me apanhado no seu local de trabalho, ou poderei dizer, no seu esconderijo.
Cristiana Rebelo e Nuno Teles, 11.º B

quinta-feira, 3 de março de 2011

Nós humanos


Nós humanos com dois milhões de anos de existência mudámos a Terra em apenas sessenta mil anos. As nossas características de visionários, empreendedores, controladores permitiram-nos mudar o mundo à nossa volta.
No princípio da espécie não éramos mais do que primatas que andavam em quatro patas e respondiam a estímulos naturais. Com o passar dos tempos começámos a evoluir e a pressentir a necessidade de mudar. Era tempo de controlar o ambiente à nossa volta para que este deixasse de ser hostil. Começámos por viver em comunidade para nos defendermos melhor, para criarmos laços afectivos que permitissem a sobrevivência da espécie. Depois desenvolvemos e dominámos o fogo para afastar os predadores. Em seguida, domesticámos animais selvagens, ficámos sedentários, desenvolvemos a roda, a balística, o sistema de vias de mobilidade. Enfim, houve uma explosão de invenções que nos permitiram ser quem somos hoje e viremos a ser amanhã.
Para além das invenções, nós humanos, para dominarmos o planeta tivemos que descobri-lo. Inicialmente parecia uma ideia impossível. Os oceanos, colossalmente grandiosos. As terras, demasiado extensas. Os céus, inalcançáveis.
O fardo dos oceanos coube a um povo, de gente corajosa e destemida, sem medo de morrer, eivada de espírito de aventura. Esse povo era o Português. Descobrimos o Brasil e o caminho marítimo para a Índia. Na minha opinião terá sido o mais pesado fardo dos três: partir à aventura por mares desconhecidos, sem garantias de voltar a casa ou sequer de descobrir fosse o que fosse.
Os céus foram conquistados à custa da electrónica e da informática, ou seja, à custa das máquinas e do intelecto.
As extensas planícies do nosso planeta foram conquistadas à custa do sedentarismo dos povos que se iam fixando nalguns lugares, adaptando-se a eles.
Por tudo isto, se o seu sonho é ser um grande Português, parta à descoberta de um grande oceano, conquiste-o e saia da rotina e do conformismo. Viva o seu sonho e seja o orgulho da grande nação que outrora teve metade do mundo nas mãos.
Filipe Marques, 12.º B