quarta-feira, 2 de junho de 2010

Terreiro do Paço

O sol brilhava, as gaivotas já voavam e o Tejo tinha acordado. Ali estava eu, sozinho, aproveitando o curto espaço de silêncio que Lisboa ainda me dava, enquanto ouvia os pequenos e poucos sons naturais da cidade. Como sempre, retirei o meu cartão rasgado de cima das minhas míseras vestes, levantei-me, agarrei no Salsicha e começámos a nossa longa caminhada diária, que principiava no Paço e terminava no Rossio. A Augusta ainda estava calma, apenas se encontravam um ou dois comerciantes que, com mais sorte que eu, conseguiam segurar as suas lojas em plena crise e invasão chinesa. Já perdi a conta às vezes em que me aleijei na calçada da Augusta. Os ricos passam por aqui com os seus sapatos Prada e não sentem nem as pedras perigosas que me ferem os pés, nem os sentimentos com que pessoas com eu e outros iguais a mim se arrastam por aqui. O Salsicha corre, contente, à minha frente. O seu passatempo preferido é entrar dentro das barracas de cartão dos outros mendigos e roubar o que encontrar. Depois vem entregar-me o que encontra e rebola-se a meus pés, como quem pede uma pequena valoração... Fui eu que lhe ensinei! Quando perdi a minha loja e ficámos sozinhos, sem nada, tivemos que nos desenrascar... Eu não sabia tocar nada, nem fazer nada que levasse as pessoas a darem-me uma moeda de cinquenta cêntimos, simplesmente para acalmarem a sua consciência, por isso, como éramos profissionais a caçar, ensinei-o a caçar outras coisas... Se é que me faço entender...
Com os trocos que me trouxe o Joaquim, entrei numa pastelaria para comprar um pastel de nata, mas senti-me de imediato observado. Numa mesa redonda encontravam-se duas senhoras que eram tão bonitas como a ignorância que traziam. Para variar, comentários para aqui comentários para ali... Olhei para o Salsicha que estava à porta, provavelmente pensando quando é que iria comer. Paguei e voltei ao meu percurso. Estava quase a chegar ao meu local de lazer, como costumo dizer ao Salsicha. O meu canto era sentado na primeira fonte do Rossio. Adorava aquele sítio! A água refrescava-me, a música das árvores relaxava-me e o Teatro D. Maria fazia-me sonhar com o dia em que voltaria a entrar lá. Sentei-me, como sempre, coloquei uma tabela no pescoço do Salsicha que dizia "Ajudem-nos". Tabela esta com a qual ele adorava brincar... Ele também se sentou a olhar para a frente e ali ficámos à espera de alguém para nos ajudar ou de algo que nos fizesse lutar.
João Monteiro, 10.º B