segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Salvadora


Posso considerar-me uma privilegiada por conhecer os quatro cantos da Terra, por já ter visto o pôr-do-sol perante as mais belas paisagens, mas principalmente por me terem considerado uma "salvadora" a dada altura das minhas missões.
Tinha apenas 26 anos quando pisei o solo africano pela primeira vez com um grupo de missionários, tal como eu. Levávamos às costas o essencial para a nossa alimentação assim como higiene e alguns bens para distribuir por quem precisasse.
Passámos por muitas terras, muitas tão insignificantes que nem eram dignas de um nome aos olhos dos políticos. Vi de tudo, da mais baixa pobreza até sentir nos meus braços o peso de um bebé a morrer, ouvir os gritos de uma mãe desesperada e famílias lutando por um bocado de pão.
Era um inferno aqui na terra, pensávamos que pior não poderia existir até chegarmos à Etiópia. Aqui sim, a fome e a morte eram donas do tempo, das pessoas.
Desloquei-me a uma tenda que servia de casa para sete pessoas, enquanto os meus colegas se distribuíam pelas restantes, e deparei-me com a morte.
Uma criança que não devia ter mais do que nove anos estava a ter um ataque de epilepsia. Os seus pais não sabiam como agir, pensando que o seu filho estava a morrer.
Creio que devo ter parado a olhar para toda aquela aflição e desespero, sentindo o meu sangue a congelar até que reagi.
Ajoelhei-me junto à criança e abri-lhe a boca impedindo-a de morder a língua. Injectei-lhe um medicamento e fiquei junto a ela até todo aquele sofrimento acabar.

Quando tudo estabilizou, olhei à minha volta e reparei que aquela pequena tenda estava rodeada de gente, incluindo os meus colegas. Coloquei o jovem rapaz na única cama existente e dirigi-me para a saída. E foi aí... foi aí que senti uma mão muito leve a tocar-me no ombro, virei-me e era a mãe da criança que eu acabara de socorrer. Ela olhava para mim com uns olhos de gratidão! Segurou a minha mão dizendo uma palavra que só mais tarde soube o que significava.
Voltei para Portugal anos depois e descobri que o que aquela palavra queria dizer era "salvadora".
Hoje, com 65 anos, ainda me lembro daquele conjunto de letras e ainda sinto aquela mão fria e ossuda a tocar no meu ombro, assim como o brilho deslumbrante dos seus olhos.
Nunca se arrependam de ajudar quem mais precisa. A recompensa pode não vir num bem material, mas sim num gesto, que é bem mais compensador, acreditem.
Carina Alves, 11.º B

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